sábado, 31 de março de 2012

E o amor venceu o medo

Já disse Arnaldo Antunes em sua bela música Saiba: "Saiba, todo mundo teve medo / mesmo que seja segredo / Nietzsche e Simone de Beauvoir / Fernandinho Beira-Mar".
Pois é, o medo. Este sentimento que carece de qualquer lógica, mas que é capaz de feitos incríveis, como fazer um valentão tremer diante de um rato ou uma mulher ultraindependente subir na mesa, aos gritos, por uma simples baratinha.
E, como diz a música, todo mundo teve – e ainda tem – os seus. E pode ser dos mais comuns, como de altura, de aranha ou de lugares fechados, como dos mais inusitados, como de tartaruga ou de certos tipos de alimentos. O que importa é que muitas vezes nos coloca em situações embaraçosas e afeta a vida prática. Já soube de gente que todos os dias dá a volta na baía de Guanabara, para ir de Niterói ao centro do Rio, só pra não enfrentar a ponte; e de cantor que cruza o Brasil de norte a sul de ônibus ou de carro, só pra fugir do avião.
E é natural que quanto mais tempo convivemos com um medo mais difícil se torna vencê-lo, já que ele fica arraigado em nossas entranhas. E o que dizer de uma senhora de 77 anos, campeã de todos os tipos de medo, que fica nervosa em elevador e banco 24 horas, que treme só de ouvir falar em avião, diante do desafio de enfrentar esse monstro de asas? Será que ela é capaz de sair vencedora neste duelo?
Na última semana vivemos esta situação. Surgiu de uma hora pra outra a necessidade de eu fazer um curso em Uberlândia, segunda e terça feira. Ainda não consegui vencer minha galinha choquice e só viajo se puder levar os meninos. Como o Vidal está embarcado, conversei com a Henara e ela disse que a Cléo poderia cuidar deles, numa boa. Ou seja, eu poderia viajar só com os meninos, no fim de semana, sem maiores problemas.
De qualquer forma, falei com Memeu e disse que se ela quisesse poderia ir também, mas só se fosse de avião, já que o tempo era curto e a logística para mandá-la de ônibus ficaria muito complicada. Deixei bem claro que se ela não fosse não teria problema, pois a Cléo cuidaria das crianças.
Imediatamente Memeu entrou em um conflito interno: como deixar os meninos "sozinhos", o dia todo, na casa da Henara? Será que eles iriam comer direitinho, o papá estaria do jeito que eles gostam? Quem, senão ela, poderia cuidar da sobrevivência dos pequenos longe de casa e sem a mãe durante o dia? Por outro lado, a ameaça do avião era um obstáculo difícil de transpor.
Para acalmá-la um pouco e lhe dar mais tempo pra pensar, disse que talvez o Vidal conseguiria desembarcar e ir junto, o que eu sabia que de fato não ocorreria. Aí ela concluiu: se o Vidal for eu fico tranquila, mas se não ele não for eu vou. Na verdade ela estava torcendo pra ele ir e acho que realmente acreditava nesta solução, mas passou a semana firme em seu propósito.
Na sexta feira dei a notícia temida: o Vidal não vai e a senhora precisa decidir agora, pra eu comprar as passagens. A resposta foi imediata: pode comprar que eu vou. Comprei, mas confesso que fiquei apreensiva até o dia seguinte, com medo da reação dela na hora H. Sabia que eu precisava de uma solução alternativa caso ela desistisse de última hora. Além disso, como o voo era com conexão, ainda havia o risco de ela ir no primeiro, ficar apavorada e se recusar a entrar no segundo. Para este caso, como coincidentemente havia comprado as passagens via Confins, eu pensava: qualquer coisa eu ligo pra um dos irmãos e a deixo em BH.
Com relação ao primeiro embarque, o Mário nos levou no Rio e se fosse preciso poderia trazê-la de volta para Macaé. Quando descemos do carro, perguntei: tia, quer que o Mário fique esperando ou ele pode voltar? Ela respondeu sem vacilar: pode voltar, pois não vou deixar os meninos sozinhos.
Sua reação nos voos foi surpreendente: não ficou com o menor medo, em nenhum momento, nem mesmo nas decolagens e pousos. Por precaução lhe dei algumas gotinhas de Dramin e ela dormiu boa parte do tempo, mas mesmo enquanto estava acordada continuava tranquila. Em Uberlândia repetia o tempo todo como podia ter sido tão boba esses anos todos, já que avião era tão bom. Ficou tão mal acostumada que quando contei que vamos passar a semana santa em Visconde de Mauá – uma vilinha no meio de montanhas no sul do estado do Rio – ela perguntou se vamos de carro ou de avião.
Pois é, o medo. Às vezes só precisamos de uma forcinha para enfrentá-lo e descobrir que ele não é tão amedrontador assim – o difícil é encontrar o estímulo certo. Memeu encontrou o seu: o amor incondicional que sente pelos meninos. E olha que não estamos falando de uma reação instintiva, encorajada pela adrenalina – como a que nos faz pular em um rio cheio de piranhas e tirar a perna de um filho de dentro da boca do jacaré – mas sim de uma atitude pensada, com tempo suficiente para desistir.

Valeu, Memeu!

Helena Júnia Diniz Costa/Março/2012

7 comentários:

Hegda disse...

Memeuzinha,

Parabéns pela sua coragem.

Estou muito orgulhosa...

Beijos!

Heldo disse...

Tia Memena é valente. Se precisar, anda de moto, bicicleta, skate, patins... Ficar em casa sozinha é que ela não guenta.

Heg disse...

Isso mesmo tia, agora pode viajar muito porque chega rapidinho, beijos

Chris disse...

Tia Memena linda!!! Ela gosta de passear, avião é fichinha!

professorasandradiniz disse...

Pois é, tia, o amor vence TODOS os obstáculos. Estmaos orgulhosos da senhora

Marina disse...

Aaaah, Memeu é a coisa mais linda e que eu mais amo no mundo!!!!!!!!

Vidal disse...

Um belo exemplo de que nunca é tarde na vida para vencermos nossas limitações. Parabéns tia Memena!

Vidal.